domingo, 15 de maio de 2011



Grandes Catástrofes (continuação)
O grande ciclone
Estávamos em quinze de Fevereiro de 1941, quando essa depressão barométrica varreu impiedosamente grande parte do País e com especial incidência sobre a região norte. Um rasto de devastação ficou por toda a parte, provocando incalculáveis prejuízos, sencialmente em habitações e zonas arbóreas.
Consta que a meio da tarde daquele pequeno dia, do menor mês do ano, o céu se encontrava nublado.
Inicialmente, começou por fazer sentir-se um vento pouco forte e acompanhado de alguma precipitação pluvial. Aparentemente, estava-se perante um normal dia de Inverno. Aqui e ali, o vento, em movimentos espirais, exibia alguns redemoinhos, prenunciadores de que algo estranho estaria para acontecer. Bruscamente, eis que o vento e a chuva ganharam força e abundância. Nas humildes e desconfortáveis casas das aldeias, os seus habitantes começaram por ficar inquietos e quase de imediato o pânico apoderava-se de todas as famílias. Lá longe, mas que parecia mesmo ali junto às velhas e frias paredes de granito, ouvia-se o ranger dos troncos e dos ramos mais fortes dos pinheiros, eucaliptos, oliveiras e outras espécies de árvores. Depois, entrava pelos ouvidos de todos o barulho infernal da madeira a rachar, seguido do estrondo provocado pelo derrube implacável das árvores de maior porte. Os telhados mais frágeis eram arrancados em pedaços compostos por várias telhas que apenas se separavam já em pleno voo. Seguidamente, os menos vulneráveis iam, tenebrosamente, cedendo também à cavalgada desenfreada do vento ciclónico. O terror invadiu os lares e gente houve que procurou as formas mais inéditas com o intuito de se proteger da fúria assassina semeada pelo vento e a chuva. Naquele tempo, os lagares vinícolas faziam parte de muitas casas de agricultores. A sua construção granítica foi refúgio para muitos que viam na suas sólidas paredes, um lugar um pouco mais seguro para se recatarem do eventual desmoronamento da habitação.
A noite, que naquela época do ano chega ainda muito cedo, caiu negra e cerrada. As horas iam passando e não havia meio do ciclone amainar. Pelas duas da madrugada, nas redondezas de Vidago, o vento terá atingido a fustigação máxima. Apenas já bem próximo da manhã seguinte abrandaria o flagelo. Quando o dia começou a romper, as pessoas iniciaram a sua aventura fora de portas, incrédulos e atónitos com o que viram e ouviram durante aquelas infindáveis doze horas. Um rasto de incrível devastação deparava-se-lhes desgraçadamente. Os caminhos de acesso aos campos agrícolas estavam completamente obstruídos, tão elevado era o número de árvores de espécies variadas caídas de forma desordenada. A própria Estrada Nacional 2, já naquele tempo vital para a ligação da região ao resto do País, ficou seriamente danificada e transitável, durante alguns dias. Cantoneiros serraram manualmente uma infinidade de troncos, a fim de que pudesse ser restabelecido o fluxo normal de tráfego.
De evidenciar o facto de a zona florestal envolvente de Vidago ser, na época, riquíssima em pinheiro bravo. Essa situação propiciava que os pinhais fossem explorados para a extracção de resina. Nesse ano os meus pais, oriundos do distrito de Leiria, viviam em Arcossó, onde exerciam a actividade resinosa. Por via dos nefastos efeitos do ciclone, tiveram que abandonar completamente a sua actividade nesse ano e regressar à terra natal, procurando outras fontes de rendimento. Como consequência, tiveram uma efémera passagem pelo volfrâmio nas minas da Panasqueira. Enfim, não só a exploração da resina como muitas culturas agrícolas ficariam naquele ano, em suspenso, com consequências económicas desastrosas para quem, essencialmente, vivia dos magros recursos da terra.
Em Vidago, para além de serem afectados bens comuns a outros locais da região, ficariam para a história da vila o desaparecimento de um dos dois grandes eucaliptos, junto ao portão principal do Grande Hotel. Na sua queda, a enorme árvore derrubou a varanda de Albina Braz que se situava no edifício por cima da meia-laranja. Também o majestoso e secular olmo, que esteve na origem do nome do Largo mais antigo e emblemático da vila - o Largo do Olmo - tombaria em consequência da devastação ciclónico.

in Memórias de Vidago - 2004
Floripo Salvador

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