quarta-feira, 19 de dezembro de 2018



ACIDENTE DE OURA - EFEMÉRIDE

NOTA INTRODUTÓRIA AO VÍDEO

DESCRIÇÃO DO ACIDENTE

Aproximava-se o Natal daquele ano de 1964. Estávamos a 20 de Dezembro e era um Domingo. O Vidago Futebol Clube tinha ido jogar a Vila Pouca de Aguiar com o Clube local. A rivalidade entre as duas agremiações desportivas foi sempre muito vincada. Este facto suscitava, sempre, um enorme entusiasmo dos respectivos adeptos quando os dois clubes se defrontavam.

Nesse âmbito, não foi diferente aquele fatídico dia. De Vidago partiu para Vila Pouca de Aguiar muita gente que utilizou os mais variados meios de transporte. Automóveis, ciclomotores e, também, um autocarro transportaram adeptos do Vidago Futebol Clube percorrendo os 17 quilómetros que separam ambas as vilas. O resultado do desafio (o facto menos importante desta crónica e da negra história daquele dia) foi a vitória do Sport Clube Vila Pouca por 2-1.

O regresso a Vidago das pessoas que utilizaram o autocarro ficou marcado por uma enorme tragédia. Quando começou a descer o Reigás, a viatura teve uma avaria mecânica nos travões. O motorista, em pânico, não escondeu a iminente catástrofe. As dezenas de passageiros viveram angustiadas e de forma tenebrosa os minutos que precederam a colisão do autocarro com uma furgoneta que seguia em sentido contrário e que originou, já em Oura, a precipitação deste para a via-férrea.

As consequências foram dramáticas: sete mortos e dezenas de feridos, alguns deles com tal gravidade que lhes deixaram sequelas para o resto das suas vidas.

OS DEPOIMENTOS DOS ENTREVISTADOS

Todos os depoimentos na entrevista do vídeo em anexo foram importantes. Porém, impossível não relevar o decisivo e audacioso papel que teve o já saudoso, Albano Salgado, a propósito da sua odisseia aquando desta catástrofe. Quando se apercebeu do acidente e do autocarro atravessado na linha do comboio vislumbrou, lá longe e com a noite a cair, a composição ferroviária procedente da Régua. Correu ao seu encontro e apareceu em frente à locomotiva. Tirou a camisola que trazia vestida e desfraldou-a a fim de que fosse mais facilmente reconhecido pelo maquinista. Entretanto, o comboio abrandou a marcha mas não parou. Albano Salgado atirou algumas pedras no sentido do vidro pára-brisas da locomotiva. O maquinista confessou mais tarde que temeu que fosse um acto de vandalismo e, por isso, não parou, de todo, o comboio. É quando Albano Salgado se arrojou a entrar para o varandim da última carruagem onde encontrou o funcionário (revisor) que o repeliu. Envolveram-se ambos em escaramuça e Albano, no vigor dos seus 20 anos, arrastou o seu antagonista de aproximadamente 40 anos até ao instrumento de emergência (alarme com puxador) que accionou. Foi então que se ouviram as rodas da composição num chiadouro infernal até, por fim, se imobilizarem. Entretanto os empregados da CP aperceberam-se da realidade do que estava a acontecer e tudo se alterou. O revisor agarrou-se a Albano pedindo-lhe muitas desculpas pelo sucedido e, inclusive, por o ter ferido com o alicate.

OS VÁRIOS INTERVENIENTES DO SINISTRO

Após estes caricatos momentos, Albano Salgado, assim como Desidério Caetano Leite, José Maria Justo e João Varandas, naturais de Oura e primeiras pessoas a chegarem ao local do acidente, colaboraram no desencarceramento dos sinistrados.

Nunca o heróico Albano Salgado foi reconhecido por quaisquer autoridades governamentais, ou outras, pelo seu bravo feito. Porém, vários sinistrados e também familiares destes, frequentemente, o saudavam recordando-lhe que, sem a sua acção, as suas vidas podiam não existir. Não exageramos se dissermos que, ainda hoje, nos cruzamos com algumas pessoas desta Vila que vão comungando connosco da vida terrena graças à corajosa atitude de Albano.

Lembrar ainda que Albano Salgado, e porque fez parar um comboio, foi chamado a depor na Polícia Judiciária no Porto onde esteve preso durante 18 horas. Enfim, um estúpido excesso de zelo cometido pelas autoridades de então!

Julgo ser oportuno aproveitarmos esta efeméride para alertar as autoridades políticas locais, e não só, que estamos sempre a tempo de reparar uma enorme injustiça cometida a alguém tão generoso e valente como foi Albano Salgado. Este humilde e corajoso homem evitou uma catástrofe de consequências incalculáveis: o comboio, se não fosse a sua acção, colidiria com o autocarro sinistrado, provavelmente descarrilaria e o número de mortos teria sido aterrador.

Albano Salgado partiu para a eternidade há escassos dois meses e poucos dias após nos ter concedido o testemunho vivo das suas recordações sobre o acidente do autocarro de Oura. Para quando uma merecedora e específica homenagem (ainda que a título póstumo) por parte dos responsáveis políticos para com Albano Salgado?

OS FALECIDOS NO ACIDENTE

Dos residentes ou naturais de Vidago faleceram, à data do acidente, José Ferreira “José Calceteiro”, José Gertrudes “José Lindinho”, Aníbal Santos Almeida e Maria Alice Sousa Teixeira. Para além destas quatro pessoas pereceram, também, o motorista do autocarro, Germano Carvalho Batista, natural de Chaves e, ainda, dois dos três passageiros da furgoneta colidida pelo autocarro.

Nessa altura, os meus 16 verdes anos gravaram, para todo o sempre, episódios lancinantes de toda a história que envolveu um dos mais marcantes acontecimentos que abalaram Vidago. Era gente que deambulava pela Vila tentando saber da sorte do familiar, ou amigo, passageiro do autocarro; o sibilar das sirenes de bombeiros em marcha estonteante; viaturas particulares a velocidades perigosas transportando os feridos mais graves para o Hospital de Chaves e gritos de dor por parte dos familiares dos acidentados, junto à residência do médico, Dr. João Canavarro, que funcionou como improvisado posto de primeiros socorros para as situações menos graves. Nesse fatídico dia, a então empregada doméstica, Ondina Castanheira, foi a improvável e utilíssima enfermeira que coadjuvou o Dr. João Canavarro num extenuante trabalho de assistência aos feridos.

Por fim lembrar que foram muitas as histórias que se contaram e que tinham a ver com desistências à última hora da viagem do autocarro; troca de passageiros utilizando outro qualquer meio de transporte; gente que se atrasou a almoçar e já não conseguiu apanhar o autocarro; outros que apanharam boleia no regresso na viatura de um qualquer amigo, etc, etc. Enfim, histórias que o destino, implacável, nos reserva.

OS QUE, MAIS TARDE, PERECERAM

Uma palavra de eterna saudade para os que, ainda que sobreviventes do grave acidente, já nos deixaram há muito: Adriano Correia, Alberto Pinto Carvalho, Ana Maria “Farrica”, António Almeida “Andorinha”, António Araújo “Russo”, António Guilherme Brás, Avelino de Jesus Silva “Avelino da Carlota”, Celeste Aurora Dias; Fernando Ferreira, Firmino Correia, Inácio da Silva, Júlio Sousa “Carroças”, Júlio de Sousa “Júlio da CHENOP”, Luís Simões “Piorro”; Manuel Salgado “Finta”, Manuel Sousa Ferreira, Saul de Almeida, Secundino Teixeira e Valdemar Vaz, entre outros.

OS AINDA VIVOS

Tempo, ainda, para evocar nomes que integravam a meia centena de passageiros do fatídico acidente da SCANIA CI-85-37, da Auto Viação do Tâmega, e que ainda comungam connosco da vida terrena: Alda Brás Portelinha; Américo Salgado, Ana Maria Almeida, António Manuel Portelinha Almeida; António Santos Parada; Cândido Brás Portelinha; Joaquim Aguiar, Joaquim Ferreira Moura; José Manuel Teixeira, Júlia Silva “Júlia Açucareira”, Maria Augusta Portelinha; Maria do Céu Portelinha, Maria Clara Portelinha; Rosa Pires Almeida; Rui Fernando Portelinha e Sebastião Aguiar, entre outros.

A RECONSTITUIÇÃO ORAL DE ALGUNS INTERVENIENTES

Neste vídeo cujas imagens foram colhidas por Augusto Oliveira, e ouvindo os testemunhos de pessoas que viveram o drama, tentámos efectuar, da forma mais fiel possível, a reconstituição, oral, de um acontecimento marcante da Vila de Vidago no longínquo dia 20 de Dezembro do ano de 1964 e que enlutou toda a região desta Estância Termal.

O ADEUS DE ALBANO SALGADO

Por último referir, ainda, que Albano Salgado já não pode comungar connosco, nesta data, a visualização do vídeo nem a leitura desta Nota Introdutória. Porém, é sempre confortável saber-se que, não obstante as condições precárias de saúde no culminar do calendário da sua vida, ainda teve a oportunidade de desfrutar a sua própria entrevista no aconchego do seu lar, em Vila do Conde, dias após ter sido entrevistado.
Honremos a sua memória!

Floripo Salvador | 19 Dez´18

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