sábado, 9 de julho de 2011


RESINEIROS DO JUNCAL


UMA ETERNA SAUDADE!
Essencialmente na primeira metade do século anterior a freguesia do Juncal assistiu a um verdadeiro êxodo de homens e mulheres que procuraram noutra regiões do País alguma prosperidade na actividade resinosa. Ainda num tempo em que os homens mais velhos usavam o típico barrete e os mais novos cobriam a cabeça com os inseparáveis bonés de pano. Naquela época era pujante a actividade da resina em todo o distrito de Leiria. Porém, toda a mão de obra empregue, não absorvia a abundante força de trabalho existente. A perspectiva de um melhor salário, a garantia de trabalho para um período de tempo considerável do ano (Março a Novembro) ou até o exercício da actividade por conta própria eram factores que aliciavam as gentes locais a encetarem verdadeiras aventuras em regiões alheias aos seus hábitos e completamente desconhecidas.

Foram, principalmente, dois os distritos onde se instalaram famílias inteiras de juncalenses imbuídas de fé e esperança em dias melhores: Vila Real e Viseu. Não foi por acaso. Eram zonas de grande densidade de pinheiro bravo e a concorrência na actividade, praticamente, não existia!

A estação ferroviária do Valado dos Frades foi palco de saudosas partidas e, também, de ansiosas chegadas de inúmeras famílias de resineiros do Juncal. A época natalícia estava inserida no descanso sazonal da actividade (DEZ a FEV). Assim, a quadra festiva era escolhida para os resineiros visitarem familiares, matarem saudades dos amigos e, quantas vezes, comprar um pedacito de terra, sempre na perspectiva de um hipotético regresso.

Começavam por avançar os irmãos mais velhos, solteiros ou já com família constituída. Depois estes chamavam os mais novos, também familiares próximos e outras pessoas da terra. Todos juntos, longe do torrão natal, invadidos de grande saudade da família, da modesta casinha, dos amigos e da terra que os viu nascer, desenraizados em regiões culturalmente estranhas, os resineiros juncalenses vincavam laços de profunda fraternidade entre si.

Do nascer ao pôr-do-sol, os resineiros (homens e mulheres) calcorreavam montes agrestes. Atravessavam secos ribeiros, no verão escaldante mas, também, perigosamente caudalosos em implacáveis invernos. Saltavam muros e escorregavam em musguentos penedos de labirínticos e acidentados pinhais. Nos dias de trabalho usavam roupa remendada, queimada pelo ácido sulfúrico e empastada exalando o inconfundível mas agradável odor da resina. Cobriam as cabeças, eles com bonés, elas com lenços, protegendo-se do sol quente do verão e também dos bichos que pendiam de ninhos na ramagem dos pinheiros.

O cantar da rola e do cuco, na primavera e o murmúrio do ramalhar dos pinheiros lá mais para o Outono, quantas vezes, eram a sua única companhia. Normalmente o pinhal ficava distante da modesta residência. Havia necessidade de levar merenda! Quando o estômago emitia o sinal da falta de aconchego e as pernas, já cansadas, também davam o seu acordo, o resineiro procurava uma poça de água mais ou menos fresca e de potabilidade incerta. Da saca de remendos trazida à cintura, as suas mãos, calejadas e empedernidas, faziam emergir o naco de broa acompanhado de um pedaço de toucinho entremeado, uma racha de bacalhau, ou qualquer outro conduto, previamente preparado em casa para o dia duro e infindável! Depois era o mergulhar sôfrego dos lábios na ocasional nascente de água. O regresso a casa, que podia durar horas, faziam-no, normalmente, à custa das pernas já estafadas pelo intenso trabalho ao longo da jornada.

Os resineiros sempre tiveram uma enorme capacidade de adaptação às vicissitudes climatéricas, tão díspares, por exemplo, na região transmontana. Intenso frio provocado por vento agreste, geada, neve e chuva, mas também calor insuportável com a privação de saciar a sede, eram condições que só uma inquebrantável abnegação conseguia vencer.

Do Juncal, várias famílias, com predominância dos Albertos, Caetanos, Cruz, Salvadores e Vergílios, comungaram dessa experiência aventureira da resina por terras transmontanas e outras. Nos concelhos de Chaves, Vila Pouca de Aguiar, Boticas, Carrazeda de Ansiães e Tondela deixaram a sua marca de trabalhadores laboriosos e honrados. Por lá, cruzaram culturas, despertaram paixões, conquistaram corações, alargaram as respectivas famílias e cumpriram os calendários das suas vidas! Num tempo em que não tinham automóveis. Às vezes, apenas simples bicicletas e uma ou outra motorizada. Também numa época em que se compravam a mercearia e o garrafão de vinho na modesta taberna local. Quase sempre, fiado!

Os resineiros sempre foram comunidades, geralmente, bem aceites nas regiões de acolhimento. Eram comunicativos, alegres, solidários, respeitadores e gente de boas contas! Nós, os descendentes dessa audaciosa gente, sentimos, ainda hoje, um orgulho enorme em sermos conhecidos por - Os Resineiros!

Correndo sempre o risco da omissão involuntária de alguns nomes gostaria de evocar, com grande saudade, alguns deles: Abílio Machado da Cruz, Adriano Rosa Vergílio, Alcinda Almeida Esperança Vergílio, Américo Machado da Cruz, Aníbal Manuel Vergílio da Cruz, António Amaro Vergílio, António Caetano Machado, António Gomes da Cruz, António Miguel da Cruz, António Moreira Salvador, António da Silva Monteiro, Carlos Moreira Salvador, Domingos Alves Vergílio, Higino dos Santos, Jacinto da Cruz, João Caetano, João Moreira Salvador, Joaquim Moreira Salvador, Joaquim Vergílio Alves (Joaquim Serrano), José Alberto, José Caetano, José Moreira Salvador, José Rosa Vergílio, Lúcia Amaro Vergílio, Manuel Gomes da Cruz, Manuel Miguel da Cruz, Manuel Moreira Salvador, Maria Amaro Vergílio, Maria Almeida Esperança Vergílio, Rafael Gomes da Cruz, Silvério Machado da Cruz e Vitorino Alberto.

Toda esta gente teve a cumplicidade natural com uma diversidade imensa de ferramentas de trabalho, tantas delas já inexistentes! Recordo-me do Ácido Sulfúrico, Agrafador, Balde, Barril, Bica Curva, Bica Direita, Bidão, Bridon, Caixa, Cavalete, Cortante, Desencarrascadeira, Enxó,Espátula, Formão, Funil, Garrafa / Pulverizador, Garrafão, Grampo Curvo, Grampo Direito, Lata, Maço, Pasta, Potassa, Prego, Púcaro, Raspador, Saco, Serapilheira e Turquês. Um rico glossário que se vai apagando no tempo!

Também muitas expressões inerentes à actividade resinosa enriqueceram o léxico de gente simples de recônditas paragens onde a resina passou a ser explorada. À minha memória ocorrem-me: Carreiro, Colhedora, Colher, Contar Pinhal, Desencarrascar, Desmontagem, Distribuir Púcaros, Estaleiro, Incisão, Picar Pinhal, Pinhal à Morte, Pinhal Com Folga, Pinhal Solteiro, Pinheiro Com Duas Bicas, Raspa, Regar Barris, Renovar, e Volta. Expressões que a decadência da actividade e a voracidade do tempo se vão encarregando de esfumar!

As formas de extracção da seiva, que generosamente o pinheiro concebe e designada por resina, foram evoluindo ao longo dos anos. A procura de um aumento de produtividade implicou o aparecimento frequente de novas técnicas de extracção e ferramentas mais adequadas à sua exploração.

Nos tempos que passam descendentes de famílias de resineiros do Juncal perduram por regiões onde, naturalmente, jazem os seus antepassados. Amora (Seixal) - Adriano Rosa Vergílio; Arrentela (Seixal) - Joaquim Vergílio Alves (Joaquim Serrano) e José Rosa Vergílio; Covas (Tábua) - José Moreira Salvador; Freixeda (Vila Pouca de Aguiar) - José Alberto; Vidago (Chaves) - Lúcia Amaro Vergílio eJoão Moreira Salvador; Vieira (Leiria) - Joaquim Moreira Salvador e Vila do Conde (Vila Pouca de Aguiar) - Carlos Moreira Salvador.
Continua...

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